Ambientalistas sofrem atentado na Região Norte de Santa Catarina
Por Sérgio Homrich
O Projeto “Sementes de Proteção” foi acionado para atuar na defesa dos ambientalistas Germano Woehl Júnior e Elza Nishimura Woehl, que vêm sofrendo sucessivas ameaças de morte, em Itaiópolis e Guaramirim – o último ataque resultou na residência crivada de estilhaços de balas disparadas de uma espingarda calibre 12. A Polícia já sabe o nome do suspeito. Nesses dois municípios, o casal possui Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e se dedica à proteção de áreas remanescentes de Mata Atlântica, preservação de nascentes e realização de palestras sobre Educação Ambiental a mais de 70 mil alunos das redes pública e particular de ensino que tiveram a oportunidade de frequentar as aulas nos últimos 20 anos.
Na tarde do dia 23 de agosto, os militantes do Centro dos Direitos Humanos Maria da Graça Braz, em Joinville, advogados Cynthia Pinto da Luz e Luiz Gustavo Assad Raupp e a jornalista Lizandra Carpes, e do Centro dos Direitos Humanos de Jaraguá do Sul, jornalista Sérgio Luiz Homrich dos Santos estiveram no Santuário Rã Bugio, bairro Caixa D’Água, em Guaramirim, para prestar apoio, esclarecimentos e orientações ao casal de ambientalistas.
Germano e Elza são proprietários do Instituto Rã Bugio, em Jaraguá do Sul, ONG reconhecida em 2003 e cuja Portaria nº 2 de criação do Parque RPPN foi assinada pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, em 5 de abril de 2008. Eles moram sozinhos na Reserva Santuário Rã Bugio, em Guaramirim, convivendo com aracuãs, jacus, esquilos, rãs, sapos, pererecas, uma infinidade de aves, pássaros e outros animais, além de uma flora exuberante de mata secundária. Secundária porque já foi desmatada e seu replantio data de 50 anos atrás, conforme nos explicou os ambientalistas.
Germano e Elza alimentam os pássaros com bananas (são 27 reabastecimentos do fruto, três vezes ao dia) e tratam uma aracuã pelo nome, desfrutando do privilégio do conforto interno da residência de dois andares e se alimentando de aveia, cálcio de crustáceos, água de coco, tudo preparado carinhosamente por Elza. A ave é tão caseira que se sente “ofendida” à presença de estranhos no local, e reage com “bicadas”.
Atentado
Ao anoitecer do dia 28 de junho de 2022, por volta das 19h30, Elza encontrava-se em casa sozinha, lendo no quarto do andar superior, quando ouviu um estrondo e um estouro de vidros quebrados. Em pânico, ligou para Germano, que se encontrava em uma das 11 áreas reconhecidas como da RPPN das Corredeiras do Rio Itajaí, em Itaiópolis; depois, também contatou o vizinho por telefone e pediu para que ele chamasse a Polícia Militar, cuja viatura chegou ao local em pouco mais de 10 minutos.
Pelas investigações preliminares, uma pessoa passou pelo local pilotando uma moto e alvejou a placa indicativa principal do Santuário Rã Bugio, parou na frente do portão de acesso e efetuou pelo menos mais cinco disparos em outra placa. Os tiros atingiram a parede de um dos banheiros externos, que os alunos costumam utilizar durante as aulas. Em seguida, a residência também foi alvejada com diversos disparos – os estilhaços perfuraram a porta, ricochetearam na garagem da residência, atingindo a porta interna que teve os vidros estilhaçados. Se Germano estivesse em casa e trabalhando no computador, como de costume, teria sido atingido pelos tiros.
Professora de Educação Física e apaixonada pelo meio ambiente – “eu converso muito com a natureza”, diz – Elza Nishimura Woehl conta o drama que sofreu: “Simplesmente fiquei horrorizada, foi um susto tão grande que eu nunca imaginava que isso aconteceria. Fiquei tremendo, liguei para o vizinho que confirmou os tiros aqui em casa. Ligue para a Polícia que eu não vou conseguir nem ligar, pedi para ele. No dia seguinte, meu vizinho percebeu a placa perfurada. Passados alguns dias, não podia mais ver moto. Às 5 horas da tarde já queria me recolher, ia na vizinha buscar leite e, ao ver uma moto pensava, será que não é mais um que veio de novo para dar tiros? Pelo jeito, a vida não vale nada. A gente está aqui tentando fazer o bem, as pessoas tinham que entender que isso não é para nós, tudo o que fazemos é para as futuras gerações terem qualidade de vida também.
Físico, aposentado, Germano Woehl Júnior conta que esse não foi o primeiro atentado sofrido pelo casal. “Atirarem contra a gente é a primeira vez, não sabíamos que iria chegar tão longe assim, com a casa atingida por balas. Mas, ameaçarem, a gente está até acostumado, recebemos ameaças o tempo todo”. Germano defende o direito à propriedade, que está sendo violado: “Não me sinto proprietário das áreas compradas com tanto sacrifício, em Itaiópolis. As pessoas entram, invadem com trator, abrem estradas, estão soltando gado na Reserva, tivemos que construir cerca de proteção, já tivemos incêndios criminosos… Somos proprietários e isso não está sendo respeitado”.
As ameaças são tantas que, desde 2017, as áreas das reservas em Itaiópolis estão praticamente abandonadas, sem zelador. “Tem lugar onde é proibido andarmos, áreas até hoje dominadas pelos caçadores e que a gente não pode ir. Então, tenho que ir escondido, mesmo sendo dono, não tenho liberdade para ir lá”, conta Germano, que teve de comprar um container para deixar o carro na RPPN e, mesmo assim, sofreu sabotagens, com colas nas fechaduras. Em outra ocasião, ficou praticamente sequestrado, escondendo-se no meio do mato para não ser visto pelos caçadores.
Germano tem muita expectativa em relação à investigação policial sobre o último atentado. “O responsável deixou muitas pistas, então, dá para descobrir quem fez isso. Tenho os nomes dos suspeitos e estou acreditando que vão incriminá-los”.
História e trabalho
Elza conta um pouco sobre o trabalho de Educação Ambiental: “A gente mostra a relação entre uma planta e um animal, que um sapo é bonito, uma perereca e uma rã são bonitos. O objetivo é conscientizar as pessoas que realmente precisamos preservar a natureza, que os animais também têm direito à vida, que o ser humano, sem isso aqui, não é nada. Todos somos dependentes. A semente a gente semeou com os estudantes, são 20 anos trabalhando com mais de 70 mil crianças, tentando colocar na cabecinha delas o quanto é importante preservar a natureza, não somente para elas, mas para as próximas gerações”.
Orientações
Os Centros dos Direitos Humanos de Joinville e Jaraguá do Sul apresentaram ao casal o Projeto Sementes de Proteção de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos do MNDH, que oferece apoio às lideranças ameaçadas em razão de sua militância política e sugeriram que o casal tome medidas preventivas, como reforçar a segurança e buscar apoio especializado para que adotem estratégias de proteção pessoal.
O Projeto Sementes de Proteção promoverá ações de incidência politica junto às autoridades do sistema de Justiça, Comissões de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa e da Câmara Federal, para obter uma minuciosa investigação criminal do caso, visando a proteção do casal de ambientalistas e a punição dos responsáveis pelos atos criminosos.