A VIOLÊNCIA E OS DIREITOS HUMANOS DAS VÍTIMAS
Os cruéis assassinatos que vivenciamos recentemente como os de Mara Decker, 19 anos e Vitória Schier, 16 anos, em Joinville, nos trazem dor, desolamento e incomparável tristeza. Sentimentos que não suplantam apenas os que acompanharão os familiares das vítimas por toda uma existência.
Os olhares, os rostos jovens, os sorrisos alegres e esperançosos na perspectiva de uma vida intensa de realizações e experiências foram brutalmente ceifados, apagados por atos desumanos e criminosos.
Essa violência consolida uma dor maior, atrai a dor de toda uma coletividade.
Daí, como os familiares e amigos das vítimas se relacionam com a violência quando ela atinge seus entes mais queridos?
Ora, diante da forte sensação de insegurança e impunidade o sentimento popular é o de que ‘bandido bom, é bandido morto’. Isso, porque a dor e o sofrimento inevitavelmente caminham lado a lado com o desejo de vingança e a comoção social nos leva erroneamente a desviar o foco das verdadeiras causas da violência generalizada e a acreditar que ela é própria do ser humano.
Mas, não é! A banalidade da morte, a legitimação da violência, os conflitos nas escolas, a violência contra mulheres, idosos, crianças e adolescentes, os estupros, assassinatos, os sequestros e latrocínios, a tortura e o exercício da justiça com as próprias mãos demonstram que a exposição à violência transforma as pessoas, comportamentos, crenças, valores e a si mesmas.
Porém, é muito mais do que isso! A incapacidade da Justiça de promover Justiça, a morosidade, as desigualdades, a descrença nas instituições encarregadas de aplicar as leis crescem na razão direta da exposição à violência a despeito das normas que regem o Estado democrático de Direito, que desdenha da cultura de valorização da pessoa humana em um modelo de sociedade falido.
O sistema capitalista e a sociedade que dele emerge, plena de contradições, exploração e barbárie cria monstros dos mais diversos colarinhos, somente a morte e encarceramento de todos eles não resolverá a situação, é preciso uma outra sociedade.
Quando se faz a defesa dos direitos humanos o que se quer é a proteção das vítimas, não com homenagens póstumas, mas com o alcance da efetividade de seus direitos brutalmente interrompidos.
Não é verdadeira a visão de que os direitos humanos defendem ‘bandidos’, indicando uma distorção de seus objetivos.
O que se procura obter é a proteção de toda pessoa humana em todos os seus aspectos, assim, não é admissível o uso da tortura e a execução sumária contra autores de crimes hediondos para reparar a dor de uma perda, pois admitir isso é também perder a condição humana.
O que se precisa exigir é que o sistema de justiça funcione, o autor seja identificado, processado, condenado e que cumpra a pena dentro dos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal, nada mais.
Direitos humanos são inalienáveis, assegurados a qualquer pessoa humana pelo simples fato de existir, celebrados pelo consenso internacional acerca de temas centrais à dignidade humana e é dever do Estado fazer justiça e garantir esse direito, inclusive com a punição do violador e o ressarcimento da vítima.
Somente haverá democracia quando os direitos fundamentais forem acessíveis a todas as pessoas e grupos sociais, quando o direito à vida for garantido para todos. Até que a indignação popular se volte para as vias políticas de exigência dos direitos humanos, continuaremos chorando nossos mortos.
Cynthia Pinto da Luz